Qualquer pessoa que me perguntasse há 5 anos o que eu gostaria de fazer da minha vida, eu provavelmente responderia algo bem ambicioso, alguma carreira complexa e difícil. Cinco anos atrás, eu pensava em ser médica, geneticista, descobrir a cura do câncer, sequenciar o genoma de um vírus importante e por aí vai. Não duvidava do meu potencial de conseguir tais feitos, embora hoje eu duvide com veemência.
Ao se aproximar o tempo de decidir de fato qual caminho tomar, me vi diante não de uma rua bifurcada, com direita e esquerda, mas sim uma grande avenida reta com vários becos nela. Eu segui nessa avenida experimentando cada beco que permitia a minha entrada. Entrei no beco que me levava à Federal, e o egocentrismo e vontade própria que viviam em mim ficaram exultantes, afinal, eu poderia dizer a todos que consegui uma coisa difícil. Eu poderia gritar aos quatro ventos que havia chegado em um lugar que muitos conhecidos não haviam conseguido. Eu estava ganhando a corrida.
Porém, esse beco era sem saída, pelo menos para mim. A única saída era retroceder e voltar a avenida. Ao retroceder, foi como se o meu ego tivesse sido esmagado por uma bigorna
jogada do oitavo andar (poucos entenderão a referência). Com meu ego em pedaços, minha vontade própria sujeita à vontade de Deus (incompreendida por mim na época), eu retrocedi. Voltei à linha de largada, enxergando todos os meus conhecidos tão a frente que eu só enxergava fantasmas. E que fantasmas! Distante dos olhos mas presentes em minha mente.
“Não era ela que estava na Federal e agora largou tudo?”
“Bem que eu vi que isso não duraria muito e logo ia desistir.”
Não ouvi isso de pessoas, mas não foi preciso pois repetir diariamente diante do espelho já era o bastante.
Embora o ego estivesse machucado, ele ainda tinha forças de continuar. Entrando no próximo beco, esse era mais amigável. Parecia uma opção segura, confortável e certeira. E
esse era o problema. Meu ego não iria permitir que eu ficasse numa posição muito “básica”. Meu ego diante do espelho gritava descontroladamente: “Você tem mais potencial que isso! Que função básica você escolheu para exercer.” O ego diante de mim conseguiu me assustar com sua insistência ensurdecedora. Corri para a avenida atrás de um lugar para me abrigar dos gritos. Não olhei para trás, e muito menos para a frente. Logo me vi em outro beco.
Esse beco em questão, usei para me esconder. Para fazer uma pausa, e o ego pareceu concordar com isso. Não achou tão ruim assim, escolher uma profissão “básica”, porém em um palácio renomado. Meu ego gostou de fugir do ordinário, até que sem avisá-lo, forcei-o a conviver com o ordinário. Esse beco era de duas vias, diferente dos outros dois que fugi na contramão.
Uma das vias me levava adiante na profissão, a outra me levava de volta para a avenida, junto com uma mão que me puxava. Na confusão, rodopiei no meio da rua por dois anos. Rodopiei não como uma dança, uniforme e bela. Rodopiei como um pião antigo, cuja fieira foi apertada tão justa ao meu corpo que enquanto rodopiava eu sufocava.
Quando minha tontura me alertou da confusão, meu ego parecia cansado. Jamais desistente, mas cansado. Em um momento de distração, ele permitiu que eu desse alguns passos até a avenida. Retornando para a avenida, pensei bem sobre todo o caminho. Se h
ouvesse um mapa no início da estrada me dizendo o que haveria em cada beco, mesmo assim o meu ego começaria a corrida muito resistente e forte. Ele está aqui, mas bem mais cansado. E sei um pouco melhor as suas estratégias, podendo despistá-lo eventualmente.
Eu estou quase na avenida. Retroceder os dois anos inteiros que passei naquele beco não é fácil. Não saber qual é o próximo, se é que terá um próximo beco, é mais difícil ainda. Ver todos chegando ao destino, isso é esmagador para o meu ego. Mas é melhor que ele se machuque e enfraqueça para quando eu recomeçar, ele fique em silêncio. Se me permitem, vou sentar em alguma parada na avenida para retomar o fôlego.
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